Este é o meu último livro, editado em Dezembro de 2005.
Aos que
na Noite de Natal
dormem sob as pontes.
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A meu neto Bernardo,
com uma última vontade:
que me leve pela mão.
Justificação:
Com os restos de alma que minha mãe encheu de sensibilidade para o mundo e de fé para o Além, vou escrevendo as minhas contradições: pedir aos outros que façam o que a mim me não apeteceu fazer.
- “Bem prega o frei Tomás! ...» - dirá quem me lê e me conhece. Mas, nunca quis nem quero ser mentiroso!
Prefiro que me levem à conta de pecador por omissão, pedindo apenas que tenham por bem intencionado.
Reconheço que é perigosa a ousadia de escrever sobre assuntos que não domino com a profundidade exigida ou que abordo com grande dose de subjectividade. Eu pecador me confesso!
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A reler e a reflectir o que versejei sobre NATAL EM CRISE, sinto-me pessimista perante a vida que partilho em sociedade, e isso não é bom. Sentindo-me mal neste mundo, já pensei fugir para melhores paragens, mas ... chego sempre à conclusão de que ... nem no Vaticano!
Também a mim me parece que o homem era naturalmente bom, mas que a sociedade o corrompeu. Assim ou por outro processo, é efectiva a crise do homem.
O maior “buraco” de cada crise não é medido pelos milhões que faltam num orçamento em macro; ele está no facto incontornável de que os homens, cada um ao nível da sua responsabilidade, já não são capazes de parar nos deslizes da sua auto-suficiência; já não conseguem arranjar tempo para a actividade do pensamento; já dispensam quaisquer outras leituras e ironizam toda a referência a sentimentos e valores, sem repararem que toda esta actividade psíquica faz a diferença entre os animais racionais dos outros.
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O importante é ser capaz de comunicar nos dois sentidos, que é como quem diz: de homem para homem, entre ti e o outro, entre mim e ti, entre mim e o outro, entre nós connosco.
Sinto grande necessidade de comunicar com alguém, e esta foi a forma de dizer, em versos salpicados de um romântico “estilo” que me domina, uma leitura personalizada do realismo humano, individualmente e em sociedade.
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O Natal continua a ser uma referência a valores, um programa de bondade para a paz que se anunciou aos homens de boa vontade.
Nos meus versos negros, apeteceram-me as lágrimas, mas quis dizer, com eles, que o ideal é possível e pode existir. Coisas de igreja? O pecado social é dos homens, com ou sem religião, com ou sem Natal!
Filipe Antunes dos Santos
Beija na boca, beija mais e mais
a pobre apaixonada em mulher.
Nua para a entrega diz-se em “ais”
inda aquém do orgasmo - bem-me-quer.
Por amor, beija a boca apaixonada,
toda em fogo de homem que desejas,
a raiz do amor é refrescada
com os beijos em rubro de cerejas.
Se a paixão cria ondas como o mar,
a nortada faz ondas com espuma;
se, na boca, os beijos vão queimar,
o amor põe na praia a fresca bruma.
Maré baixa, não põe no ventre o fogo!
Maré alta, ... se a boca der Amor.
Beijos de ontem? De hoje? Os de um jogo
no ferrão da abelha que ama a flor.
Beija a boca por dentro da paixão!
Faz amor, como o tempo e a semente!
Faz o mundo no fogo da explosão
que, na vida, é a vida que se sente!
Beija forte, no calor da convicção,
o que amas e crês - a tua vida.
Ser na boca ou na face apetecida, ...
é Natal que te sai do coração!
Coimbra, 20/21.11.02
Perguntei agora ao sol
que se acende no farol
se inda há água no mar.
Disse: «Sim! Mas, ... atenção!
Se tardar a decisão,
a secura vai matar.»
Perguntei agora ao vento
que sacode o pensamento
se no mar havia sal.
Disse: «Sim! Neste momento,
só não tem cento por cento
porque falta Portugal».
Perguntei à praia-areia
onde a vaga se recreia
se não guarda na memória
os receios do Restelo.
Disse: «Sim! Mas, ... um tal zelo
foi vencido pela história.»
Perguntei agora ao Povo,
entre o velho e o mundo novo,
se, nas naus que fez ao mar,
algum dia faltou braço.
«Não! Na mão sempre houve espaço
pra ser onda a empurrar!»
Nesta noite de Natal
sobre a noite - Portugal,
o Jesus sempre nos diz:
Não há paz, falta o amor;
não há pão, a fome é dor, ...
Sou Menino infeliz!
Fazer Natal é fazer amor a dois,
Amor em Verbo, mas depois
de conjugado no tempo certo!
Alma quente e lareira em refractário,
é chispa que acende em pederneira,
as estrelas em forma e brilho de pão.
Mas é pobre contraste na razão,
de um falo e de um dedo traçados,
um cheque gordo para pagar
os Natais adiados.
Fazer Natal é fazer amor a dois,
Amor em Verbo, mas depois
de se estar no tempo conjugado!
Um gueto na fartura das crianças
com fome,
cinco estrelas de céu por cama,
rua estreita acordada e sem sono,
um auto em top e um doente
sem hospital,
a cocaína da morte lenta
na seringa da execução,
a noite nos olhos e o crime
na estrada!
Fazer Natal é fazer amor a dois,
amor em Verbo nunca depois!
Não sei.
Como posso saber?
Cabeçudo não é rã,
homem não é rei,
estrume não é pão, ...
Tudo é a ser
Encarnação.
Não sei.
Como poderia saber?
O ontem não é o hoje,
O belo não é a última versão.
Nada é antes de ser
Encarnação.
Embora em boa hora o dia seja
quando o Homem acende a aurora
e o tempo velho se fecha na igreja,
desafio a deus por Zeus, por Alá
que me nasça cada tempo num sinal
do coração que seja o do Natal.
num estágio dos ismos – dia, hora, ...
apenas o destino de quem comigo chora,
o tempo novo em velho e em igreja
põe-nos fora do jogo em que a mentira
quer nascer cada tempo, ser sinal
sem matriz, sem vislumbres de Natal.
Embora, em boa hora, a manhã seja
claridade só no sonho da aurora,
abra-se em prefácio, (noves fora
eu e quem, adiado, não esteja
com as mãos a fazer já o mundo melhor)
o tempo novo. Não se diga que esse sinal
é matriz velha se o coração é o Natal!
Venho escrever um poema vermelho
de argila molhada na pena, no dever:
palavra e rosa a dizer sangue dado
por martírio plebeu - o evangelho;
escrita apócrifa no rego do arado,
na semente, na terra, no húmus da lei.
Vou chegando para escrever
como a dizer Arzila, Arzila,
o último verso do meu poema.
A tinta é o vermelho de argila
na pena aparada ao jeito do meu ser,
bico molhado no peito do dever.
A palavra é a rosa a dizer amor,
o poema é o meu sangue soado,
pouco verso num tema atamancado,
só um sonho com brilho de luar:
um Natal que por força me conduz
ao Menino Jesus da minha cruz.
A escrever, vou ficando por aqui,
que secou a argila da montanha
no meu berço em serrano amassado;
Na descrença da vida que vivi,
peço a Deus que aqui faça do Natal
o futuro para além de mim, coitado!
Espero que o carvalho seja isso:
a cabra com o corno no toutiço,
o varrasco em repasto de bolota,
os currais com soalho em folha seca
na mudança de mantas e lençóis.
Não espero bugalhos em castelo
nem bolota no enchido do chouriço!
Espero, sim, do carvalho em novidade,
uma sombra e o fresco de uma fonte
sem sarugas no uso - propriedade,
sem borbotos na lã que me aquece.
Esperar? Todo o tempo, se eu fizer
um presépio sem burro, só reis magos
que de Herodes percebam a intenção
- o malvado com medo do Menino,
e percorram os três outro caminho,
o outro sem traçado de asinino,
que há-de ser para passar a Redenção.
A esperança que canto no Casal
com os anjos do mundo acordado,
vai num verso – poema que, afinal,
me sacode, me relança o eu tardado
pra fazer obra-prima com sinal
de outra vida – metáfora de um fado
que, aqui, me anuncie a construir
dando as mãos ao Menino do Natal.
A vida continua
quando o fim sempre volta a menino.
A morte só tem dia
quando o berço armado não é pra ser.
A vida vai sendo
quando a rosa dá cor ao meu destino.
A morte morta só o é
quando a vida se esquece de viver.
A vida em vida é sempre mais
quando o homem sabe o que é morrer.
A morte conta sempre menos
quando o homem sente e ama a vida.
A vida não acaba
quando o homem sabe o que é sonhar.
A morte nunca vem
quando o homem se fixa no Além.
A vida é uma soma
quando o homem se põe nas suas mãos.
A morte é subtracção
quando o homem não conhece os irmãos.
A vida é o princípio
quando o homem é ele até ao fim.
A morte nem é fim
quando o homem na vida adormece.
A vida continua no coval
quando o Homem o transborda de certezas.
A morte fede pelas frestas do caixão
quando os vermes devoram os nadas.
A via é o poema que se compõe
de alegrias, tristezas, sonhos, ilusões.
A morte morreu quando engoliu
o poema e os compassos da harmonia.
A vida é eterna mocidade
quando as mãos fazem hoje a Primavera.
A morte vem noutro tempo
que se conta num relógio de corda partida.
A vida é um poema de Natal
quando em cada estrela brilha um sonho.
A morte é o escuro no fundo da cova
se, a esperar, não há ontem nem amanhã.
Do que ouvi e ainda guardo
no sacrário monumenta,
lembro a ironia do anjo mau
a dizer verborreia em calhau,
a pregar o conto do vigário,
a lavar o pecado em água benta.
Do que ouvi, tudo cabe no diário
de Repúblico lacrau a morder
o tendão do velho Aquiles - calcanhar
deputado em novo prontuário,
oposto programado em maldizer,
situado a servir a oposição!
Do que ouço em tevê fica escrito:
parlamento em versos de vento,
a pobreza da triste figura.
Podem vir, ao mês, ao dia, mais Natais,
que a mudança não mudará os sinais
do que é dito em Parlamento.
Parlamentos? A ninguém fica o direito
de trocar eleições - democracia
por moeda em quilate pantomina,
vergonhas, traições ... tudo a eito!
A rimar a nudez de um País em fantasia
deputada pela nação - representante,
sé é eleita, nas promessas da mentira,
é desgraça do Povo expectante,
e o Natal para o Povo assim se adia!